Autor: Globo Jornalismo
12/09/2019
Negociações milionárias são rotina no mundo do futebol. As
trocas de camisa de estrelas do esporte normalmente envolvem fortunas, mas
negócios vultosos também acontecem em outros campos, como o da medicina.
A disputa cada vez mais acirrada no segmento premium
de saúde foi exposta esta semana pela transferência recente do cirurgião
Antonio Luiz Macedo, de 67 anos, que trocou o jaleco do Hospital Israelita
Albert Einstein, em São Paulo, pelo do Vila Nova Star, da Rede D’Or, aberto em
maio. Lá ele comandou, no domingo, a mais recente cirurgia do presidente Jair
Bolsonaro.
Especula-se que, na mudança, Macedo tenha fechado um
contrato milionário por cinco anos, além de honorários de consultas, cirurgias
e outros benefícios.
Médicos e especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que o
assédio a médicos do alto escalão é comum — embora as remunerações estelares
sejam oferecidas a um grupo bem restrito de profissionais.
Ninguém fala oficialmente de cifras, mas quem está nos
bastidores dessas negociações garante que quando a conversa envolve médicos
famosos, os contratos são longos, contam com pagamento de luvas e, em alguns
casos, até mesmo um imóvel de luxo próximo do hospital para deslocamentos a pé,
além da garantia de levar sua própria equipe.
— Os que recebem essas luvas representam uma minoria. Uns
5%, eu diria. Não é crime. É uma forma de conquistar um mercado — diz um médico
do Hospital Sírio-Libanês que pediu para não ser identificado.
O Sírio-Libanês também perdeu um médico renomado para a
D’Or: o oncologista Paulo Hoff, que chefia a área de oncologia da rede. No meio
médico, o comentário é que o profissional, que tratou os ex-presidentes Lula e
Dilma Rousseff, também recebeu uma proposta irrecusável.
— É muito importante para um hospital ter uma personalidade
em seu quadro. Isso garante a ele representatividade, renome e, obviamente, clientela
— diz Luiz Roberto Londres, ex-dono da Clínica São Vicente.
Disputa
chega a Rio e Brasília
Essa disputa por médicos renomados era comum em São Paulo,
onde as disputas já levaram alguns executivos a quase trocarem socos em
reuniões do setor, segundo relatos. O que se vê agora é o fenômeno chegar a
outras capitais, como Rio, Brasília e Goiânia, com a inauguração de unidades do
Einstein, do Sírio-Libanês e da rede Star, do grupo D’Or, nessas cidades.
O cardiologista Evandro Tinoco, presidente da seção
fluminense do Colégio Brasileiro de Executivos de Saúde, diz que, ao atrair um
profissional que é considerado um artífice numa determinada técnica ou que
tenha núcleo de serviços com resultados diferenciados, a instituição acelera
seu ciclo de reconhecimento:
— É um elemento de competição, mas, por si só, não garante
alta qualidade.
Pacientes
famosos
A disputa na qual o Vila Nova Star mergulha agora na capital
paulista já era travada, principalmente, entre os hospitais Sírio-Libanês,
fundado em 1921, e Albert Einstein, inaugurado em 1955. Tradicionalmente, os
dois disputaram os holofotes com pacientes famosos. Antes do Vila Nova,
Bolsonaro foi operado no Einstein, onde se tratou após o atentado que sofreu em
2018.
Já pelo Sírio passaram os ex-presidentes Lula e Dilma. Com
uma economia em recessão e a decadência dos planos de saúde, os grandes
hospitais tentam se reinventar.
Sírio e Einstein, por exemplo, são sociedades sem fins
lucrativos, não distribuem lucros aos acionistas e podem reinvestir o que resta
no fim do mês. Nos últimos anos, passaram a se concentrar ainda mais em
pesquisa, formação e inovação, para reduzir custos e expandir a capacidade para
além da classe A.
— O segmento
premium encolheu com a crise.
Cada vez mais as iniciativas têm de mudar para um sistema que remunere valor,
focado mais no paciente do que em amenidades de luxo e chef
da alta gastronomia — defende Sidney Klajner, presidente do Albert
Einstein.
Paulo Chapchap, diretor-geral do Sírio, considera que a
movimentação de profissionais entre hospitais é uma prática normal do mercado:
— Temos grandes profissionais hoje no Sírio-Libanês que
vieram de outras instituições, assim como já tivemos outros médicos que optaram
por seguir carreira em outro lugar.
Clima de
hotel sofisticado
O saguão do Hospital Vila Nova Star pode ser facilmente
confundindo com o de um hotel de luxo — e não por acaso. Um de seus objetivos é
evitar o “clima de hospital”: não há paredes brancas ou luzes de LED.
O paciente que ficar internado lá tem uma hotelaria
caprichada: chef de cozinha francês, televisão de tela plana e
a possibilidade de se comunicar com os enfermeiros por meio de um tablet que
fica acoplado à cama, além de acessos a aplicativos e à internet.
Bolsonaro, sua equipe e seus familiares estão em uma ala
separada só para eles no oitavo andar do prédio. O presidente tem na TV acesso
ao Première Futebol Clube, a plataforma de
pay-per-view do Campeonato
Brasileiro. Desde a internação, já comemorou as vitórias de Palmeiras e
Botafogo, dois de seus clubes do coração, segundo o porta-voz Otávio Rêgo
Barros.
Os dois familiares que o acompanham, a primeira-dama Michelle
e o filho Carlos, têm um quarto cada um.
A unidade também tem alguns dos equipamentos mais modernos
em uso atualmente na medicina e uma estrutura “escondida”.
Além dos 16 andares, o hospital tem quatro pisos
subterrâneos, onde fica uma unidade de radiologia.
Instrumentos utilizados no tratamento de câncer também
prometem incidência apenas na área afetada, chamado de CyberKnife. O
equipamento é, na prática, um braço robótico que direciona a radiação com mais
precisão, diminuindo a chance de efeitos colaterais. Segundo o hospital, essa é
o único modelo no país.
Outra novidade que o hospital divulga é um sistema de
entretenimento dentro do equipamento de ressonância magnética. Com óculos e
fones de ouvido, ele permite aos pacientes assistirem filmes ou ouvirem músicas
durante o exame.